Houve um tempo que o Ceará se dividiu dramaticamente, tal tempo imemoravelmente sangrento produziu tanto a revolução de 1912 dos fortalezenses unidos ao heróico Franco Rabelo contra a oligarquia monolítica acciolyna, quanto produziu a trágica sedição de Juazeiro de 1914, a data da guerra civil cearense. Perdeu-se muito nessa divisão tão extrema entre interior e capital, entre os libertários da capital e os tradicionalistas do interior. A oligarquia de ferro velho e fogo-fátuo só cairia de vez em 1935, através do jurista Menezes Pimentel, governador eleito para reorganizar o Ceará em uma situação que quase custou sua vida. Só a energia de Menezes, agindo com a força do povo e de Getúlio por dez anos, para que tirássemos daqui a tirania do atraso que havia enraizado-se no poder e apoderado-se do destino dos cearenses. Desde então, tornou-se inconcebível qualquer retorno ao tempo que os cearenses se dividiam sem projeto.
Sucedeu logo então a saída de Menezes, e especialmente a partir de 1964 com a derrocada dos trabalhistas, que o fim da oligarquia monolítica deu lugar a uma nova organização, caracterizada pelo arranjo muito bem articulado de oligarquias locais em torno dos coronéis de algumas poucas linhagens estaduais. Unir a elite decadente e conter o movimento popular que crescia exigiu muito clientelismo e bastante violência. Ora, todos sabemos que por quase duas décadas o estado cearense viveu sob a lógica do triunvirato coronelístico, o chamado “pacto dos coronéis”. Foi realmente possível todo esse tempo praticamente inexistir liberdade de pensamento e inexistir o dinamismo das lutas sociais que melhoram, como sabemos, tanto a vida do povo quanto a qualidade do poder. E só foi possível ser assim, pois, tudo estava tomado por poucos e para poucos.
Nos perguntamos após essa breve reflexão histórica, não estaríamos hoje retrocedendo ao tempo dos coronéis? Ou pior ainda, não há uma proto-oligarquia monolítica que deseja capturar o destino dos cearenses ameaçando tudo e todos? Vemos os partidos perdendo força e deixando de lado o projeto cearense por alinhamentos puramente fisiológicos. A política está se fazendo num deserto sem ideias e sem debate. O governador invisível, sem personalidade, parece um zumbi dentro da máquina, um títere dos Santana. Rasga as ideias de planejamento de longo prazo como a do Ceará 2050 e a matriz econômica construída com absoluta dedicação por décadas. Elmano é um reacionário em relação ao desenvolvimento do Ceará, enquanto as facções sequestram a sociedade, ele consolida sua inimizade ao povo de Fortaleza. É um retorno torto, uma assombração representada pelos líderes do “partido do Abolição” que preparam a terrível passagem para a nova oligarquia monolítica dos Santana.
A máquina de cooptação e desarticulação, comandada pelos ventrílocos do governador, manipula a execução orçamentária estadual para desfavorecer prefeitos de oposição, e mais precisamente, prejudicar a reeleição do prefeito Sarto em Fortaleza. Foi usada para intervir sobre as estruturas internas do PDT e do PT, sobre o apoio às candidaturas, mudando a representatividade parlamentar e filiações dos partidos (como no cisma do PDT), ou mesmo alterando as indicações às candidaturas (vejam Luizianne Lins). Está demolindo os interesses dos trabalhadores ao cooptar e desarticular o sindicalismo. Infelizmente, não há movimento social que escape à máquina monolítica dos Santana, uma máquina de moer existências políticas. Contudo, custa caríssimo, é por isso, que o governador levou o estado cearense a farra irresponsável de empréstimos e aumentos de impostos. Vale destruir a saúde das contas públicas para corromper a história política cearense? Vale atrasar a vida dos fortalezenses para atrapalhar a reeleição do prefeito? Querem matar a organização dos partidos, sindicatos, oposição, conselhos. Querem sufocar a atividade livre dos trabalhadores e do empresariado cearense, nos pondo sob o cabresto pesado e o ICMS abusivo. Os Santana parecem inspirarem-se no acciolysmo.
Há mesmo no Ceará quem queira trazer à tona o corpo em decomposição da política oligárquica para um ritual de ressurreição! Mas também há quem queira sepultar respeitosamente o passado, há quem queira mudar e continuar mudando, seguindo a lição de Tasso e Ciro ao derrotarem o Tempo dos Coronéis e iniciarem a Era das Mudanças. Façamos parte dessa turma boa da mudança e ergamos a maior civilização sobre o semi-árido que já existiu, civilização que ao invés de derramar sangue transborda de sonhos, civilização além da sede e da fome. Vamos despertar, sobretudo, para a grandeza da nossa inteligência cearense. Republicanos do coração do Nordeste, espíritos mudancistas, chamemos uma reflexão na palavra do José do Patrocínio: *Por que o Ceará é Terra da Luz e Berço da Liberdade?*
Autor: Samuelson